TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.036 - Disponibilização: quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022
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respeitada.
Artigo 10 – Igualdade, Justiça e Eqüidade
A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos de dignidade ede direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam
tratados de forma justa e eqüitativa.
Código de Ética Médica
Princípios Fundamentais (Capítulo I)
I – A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.
II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua
capacidade profissional.
Feitos tais esclarecimentos conceituais e principiológicos, essenciais para uma melhor compreensão e interpretação do caso sob análise e
questões jurídicas postas, bem como os regimes jurídicos aplicáveis, volto à análise específica dos fatos que fundamentam a presente lide, mais
especificamente quanto ao atendimento recebido pela acionante, com base nas alegações e provas constantes nos autos, das quais destacam-se
os documentos que compõem o prontuário médico acostado aos IDs 93756246 e 116715530.
No dia 01/05/2020, por volta das 18:30, a acionante deu entrada na emergência obstétrica do Hospital Teresa de Lisieux, referindo dor
abdominal e saída de secreção com sangue, estando em gestação de 22 (vinte e duas) semanas e alguns dias (ID 116715530 - fl. 43). Nessa
oportunidade a equipe elaborou diagnóstico inicial de parto prematuro em caráter de urgência, dada a existência de risco de morte à gestante
e ao bebê, tendo sido indicado o internamento da acionante para a realização de exames e acompanhamento do quadro para gerenciamento
de risco. Por volta das 23h a acionante foi encaminhada para leito de internamento na unidade (ID 116715530 - fl. 52), e, posteriormente, por
volta das 02h do dia seguinte (02/05/2020), foi encaminhada para o centro de obstetrícia.
O quadro evoluiu para parto natural, mediante expulsão vaginal, ocorrido por volta das 06:44, que foi acompanhado por enfermeira do hospital (ID 116715530 - fl. 55). Após o parto o recém nascido foi colocado em berço aquecido por médico que realizou medidas antropométricas.
Não constam nos demais documentos acostados qualquer tipo de cuidado, atenção, ou conduta adotada em relação ao recém nascido, mas tão
somente a informação de que este veio a óbito por volta das 08:30 daquele dia (02/05/2020).
No Laudo de Exame Necroscópico (ID 93756246 - fl. 02) consta a informação de que o bebê faleceu por “imaturidade pulmonar”.
Após o óbito do bebê, a acionante foi encaminhada para o centro cirúrgico, onde foi submetida a procedimento de curetagem e recebeu os
devidos cuidados pós-parto.
Não constam nos autos, também, qualquer indicação da adoção de atendimento especializado dado aos acionantes por conta do óbito do seu
recém nascido filho, ou mesmo de que este veio a ser encaminhado para UTI neonatal, ou que houve qualquer tipo de participação da família
na tomada de decisões que resultaram no seu atendimento e tempo que teve em vida.
Pontuo que esta decisão não tem como objetivo indicar de qual seria a melhor conduta a ser seguida pela equipe de médicos nos cuidados
prestados ao recém nascido, se a adoção e esgotamento de procedimentos para a manutenção e prolongamento da vida do bebé; ou condutas
que implicassem na redução do seu sofrimento, pois essa decisão compete exclusivamente aos genitores do recém-nascido, mediante a devida
instrução e esclarecimento feito pela equipe médica assistente, decorrendo, assim, do exercício da autonomia paternal que deve ser feito com
base nos princípios da beneficência e levando em consideração o melhor interesse do menor, o que, no caso dos autos, não foi feito. Isso porque, como dito, e evidenciado pelos documentos que instruem os autos, não foram adotadas quaisquer medidas para garantir a continuidade
da vida do recém nascido, que, a partir do seu nascimento COM VIDA passou a ser um paciente do corpo clínico do hospital, ou mesmo para
tentar diminuir o seu sofrimento.
Sim, é necessário entender que RICHARD DAS MERCÊS SANTOS (falecido filho dos acionantes) também era um sujeito de direito, um ser
humano, cujo nascimento com vida é indiscutível (ID 93814704 - fl. 02), o que lhe confere a condição humana e o seu direito de ser assim reconhecido, bem como de ter sua dignidade respeitada e protegida, e de gozar de todos os direitos que lhes são assegurados pela Constituição,
ainda que dentro das suas limitações físicas, temporais e situacionais.Suas condições particulares (prematuridade e desenvolvimento pulmonar incompleto) apenas lhes deram uma maior vulnerabilidade enquanto pessoa, não podendo servir como justificativa para tratamento
desigual, discriminatório, ou desidioso pela equipe médica que lhe atendeu.
Nessa linha, entendo que a conduta omissa da equipe assistente, que não despendeu qualquer esforço ou cuidado para com o recém nascido, resultando em atendimento negligente, pois, diante da situação na qual se encontrava, e diante das opções que poderiam ser adotadas, a
equipe optou por não fazer nada, ofendendo o direito à vida que era garantido à Richard. Ainda que assim não o fosse, e que a morte do recém
nascido fosse algo inevitável e impostergável, a equipe deixou de garantir que essa ocorresse de maneira digna e da melhor forma possível, em
compatibilidade com os anseios e desejos dos seus genitores (e do próprio bebê).
Embora não seja possível atribuir um nexo direto de causalidade entre o óbito de Richard e a desatenção da equipe do nosocômio, em especial
por conta da sua condição que indicava uma pequena chance de sobrevida (cerca de 20% conforme estudo indicado pelos acionantes ao ID
93756254), certo é que inação da equipe em nada contribuiu para o recém nascido, que após os atos de assepsia e medidas antropométricas,
foi deixado ao acaso. As fotografias acostadas pelos acionantes ao ID 93756250 fazem prova do quanto alegado, pois, naquela situação, essa
não deveria ser a condição que o recém nascido deveria se encontrar.
Indo além, verifico que a equipe deixou de disponibilizar qualquer tipo de cuidado paliativo, não só ao recém nascido, mas também aos seus
genitores, que presenciaram a morte do filho que acabara de nascer vivo após um parto de risco, e nada puderam fazer para evitar, ou reduzir
o seus sofrimentos (e sofrimento do bebê), o que fere a dignidade do núcleo familiar como um todo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como cuidados paliativos a “assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio de prevenção e alívio
do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos espirituais”
que “envolve uma equipe de suporte para os pacientes e seus cuidadores, sendo explicitamente reconhecido como um direito humano associado ao direito à saúde” (tradução livre retirada do texto: Palliative Care, disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/
palliative-care).
Nesse momento, esclareço que os cuidados paliativos são essenciais à boa prática médica quando diante de casos terminais, e consistem em
um dever, não só do médico, mas de todo o corpo clínico, a fim de garantir a efetivação e respeito da dignidade dos pacientes e seu acompanhantes, podendo ser adotados tanto a longo prazo, quanto a curto, o que se esperava do atendimento em questão e que garantiria uma