TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.036 - Disponibilização: quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022
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der por eventuais danos que os seus beneficiários (consumidores) venham a sofrer em razão do atendimento recebido, eis que, nas relações de
consumo, aplica-se a teoria do risco e responsabilidade solidária dos membros da cadeia de fornecimento do serviço.
Quanto à responsabilidade da segunda acionada, instituição hospitalar (Centro Médico Teresa de Lisieux), percebo que os profissionais que
atenderam a acionante integram o corpo clínico do nosocômio, ainda que não sejam, formalmente, empregados do hospital, e, nesse sentido,
desenvolvem suas funções em nome do hospital, o que, por conseguinte, o legítima a responder pelos atos praticados por estes profissionais,
de forma solidária.
Superada a questão acerca da responsabilidade das acionadas por eventuais danos causados pela equipe que atendeu a acionante, resta analisar
se existem nos autos elementos que evidenciem a ocorrência dos referidos danos, bem como se estes são passíveis de indenização, isso porque,
ainda que as acionadas respondam de maneira solidária e objetiva pelos danos causados aos consumidores (arts. 7º, P.U., 14º, e 25º, §2º, do
CDC), para que estes danos sejam indenizáveis faz-se necessário que haja falha (erro) no serviço médico prestado aos acionantes, o que, necessariamente, demanda a existência de culpa atribuível ao(s) agente(s) causador(es) do dano, ou violação aos deveres (principais ou anexos)
associados aos serviços de saúde.
A regra geral, prevista no art. 927 do Código Civil, acerca da responsabilidade civil impõe que para a sua configuração é necessária a cumulação dos seguintes pressupostos: ato ilícito, culpa, nexo de causalidade e dano.
O ato ilícito (ou conduta anti-jurídica) diz respeito a uma ação (ou omissão) que viola direito de outrem, disposição legal (lato sensu), ou que
consiste em abuso de direito (art. 187, C.C.). Segundo as lições de Antonio Cláudio da Costa Machado:
Reputa-se ato ilícito o que, estando em desacordo com a ordem jurídica, viola direito subjetivo e causa dano, material ou moral, a alguém,
constituindo-se a inclusão deste numa das grandes inovações do Código, que, na esteira da Constituição Federal (art. 5º, V e X), reafirmou a
existência do dano moral, pondo termo aos debates e às resistências porventura ainda remanescentes dos tribunais. (...) O ato ilícito pode advir de ação ou omissão voluntária, isto é, situação na qual o agente tencionou (dolo) causar o dano, mediante ação ou pela omissão. Sucede-se
também o ato ilícito em decorrência de negligência (omissão involuntária) ou imprudência (ação involuntária), situações nas quais o agente
concorre para o dano, sem que tenha intenção de causá-lo.” (in Código civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo - 4ª edição
- Editora Manole, 2011, p. 185).
A culpa, por sua vez, diz respeito à qualificação da conduta do agente (ofensor), trata-se de elemento subjetivo atribuível ao agente quando
da prática (ou não prática) de determinada conduta (ilícita/anti-jurídica), podendo ser divida em duas espécies: culpa em sentido amplo (lato
sensu), na qual o sujeito atua de maneira volitiva (com dolo/intenção) de praticar determinado ato; ou em sentido estrito (Strico Sensu), na
qual o sujeito não tem a intenção de praticar determinado ato, ou atingir determinado objetivo, contudo, por conta do não cumprimento de
determinados deveres de cuidado enseja em hipótese de negligência, imprudência ou imperícia. Conforme lições de Maria Helena Diniz:
A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de
diligência ou de cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela
imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever. Portanto, não se reclama que o ato danoso tenha sido,
realmente, querido pelo agente, pois ele não deixará de ser responsável pelo fato de não ter-se apercebido do seu ato nem medido as suas
consequências. (In Curso de direito Civil Brasileiro, São Paulo: Editora Saraíve, 17ª Edição, 2003)
Sobre as modalidades de culpa em sentido estrito, em especial no que tange ao caso dos autos, que versa sobre possível erro médico, estas
podem ser separadas em três espécies: negligência, imprudência e imperícia.
A negligência se caracteriza quando o sujeito atua sem zelo, com falta de cuidado ou diligência, deixando de cumprir com os protocolos que
deveriam ter sido seguidos na consecução de determinado ato/procedimento. Via de regra, a negligência se configura através de uma omissão
do sujeito que deixou de empenhar atenção e zelo na sua prática;
A imprudência, por sua vez, decorre de conduta positiva (comissiva), na qual o agente age sem prudência, criando riscos e perigos desnecessários e prescindíveis. Trata-se, portanto, da atuação que vai de encontro com as regras do “agir prudente”.
Por fim, a imperícia é consequência da inobservância de critérios técnicos (ou qualificação técnica) pelo agente no desempenho das funções
as quais ele se prestou a realizar. É, então, o desconhecimento, ou a não adoção, das diretrizes técnicas que a literatura específica daquela determinada área impõe para a realização de determinados atos, protocolos, ou atendimentos. Consiste em uma espécie de agir “atécnico” (seja
pela ausência de técnica do agente, ou pela conduta, que em si, é não é tecnicamente correta).
O terceiro pressuposto para a configuração da responsabilidade civil, o dano, diz respeito à lesão (efetiva e relevante) a bem jurídico pertencente à esfera da vítima, podendo tal dano ser patrimonial ou extrapatrimonial.
O último elemento, nexo de causalidade, refere-se à relação causa-efeito (causalidade) que se faz necessária entre os demais elementos citados,
assim, é necessário que o dano seja decorrente (causado) pela conduta ilícita praticada pelo ofensor.
Lembro que a responsabilidade civil consiste em uma obrigação secundária decorrente do descumprimento de uma obrigação principal e
anterior: prestação adequada do serviço de assistência médica. Dessa forma, somente com a violação da obrigação originária (prestação adequada do serviço de saúde) é que se pode cogitar a hipótese de responsabilidade civil e dever de indenizar.
Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves, a conduta médica deve pautar-se pela “prestação de cuidados conscienciosos, atentos, e, salvo
circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência” (Em Responsabilidade Civil, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1984, p. 122).
Seguindo essa linha, submete-se a assistência à saúde às disposições contidas na Declaração Universal da Bioética e dos Direitos Humanos
(DUBDH), de 2005, e Código de Ética Médica (CEM), previsto na Resolução CFM n° 2.217/18, dos quais destaco os seguintes princípios:
Declaração Universal da Bioética e dos Direitos Humanos
Artigo 3 – Dignidade Humana e Direitos Humanos
a) A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade.
b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade.
Artigo 4 – Benefício e Dano
Os benefícios diretos e indiretos a pacientes, sujeitos de pesquisa e outros indivíduos afetados devem ser maximizados e qualquer dano
possível a tais indivíduos deve ser minimizado, quando se trate da aplicação e do avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e
tecnologias associadas.
Artigo 8 – Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade Individual
A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação e no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de
tecnologias associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos e a integridade individual de cada um deve ser